sábado, 17 de janeiro de 2009

Porque não irei às aulas no próximo dia 19 de Janeiro



Aos meus Alunos, Colegas e Encarregados de Educação:

Em Julho de 2007, redigi e enviei esta “Carta Aberta” à Sr.ª Ministra da Educação. Volvidos 2 anos, a política deseducativa do Governo Sócrates continua, lamentavelmente, a dar-lhe actualidade.
Se tiverem paciência e tempo, não deixem de a ler!


Ex.mª senhora Ministra:
Quem lhe endereça esta carta tem 48 anos de idade e cerca de metade da sua vida dedicada ao exercício da docência no Ensino Secundário. Assistiu, ao longo da sua carreira profissional, à “rodagem” de sucessivos Governos e à interminável implementação de “reformas” ,“contra-reformas” e medidas mais ou menos avulsas de sucessivos ministros e secretários de estado, cada um empenhado em “endireitar” e “remendar” o tão enviesado e cada vez mais deteriorado sistema educativo e de ensino em Portugal - país que se caracteriza por ser prodigioso em simulacros e penúria de milagres (o último terá ocorrido em 1917).
Muitos dos ministros que têm assumido a complexa tarefa de dirigir os destinos da educação ficaram na história por bons e maus motivos e desses, recordo, (independentemente de qualquer cor política, uma vez que a paleta foi diversificada), um substancial número – que desde o antigo regime, entenda-se salazar/marcelista até hoje, tinham em comum, pelo menos alguns deles, uma matriz relevante: conheciam em profundidade as carências e vicissitudes do Sistema e percebiam de facto de Educação além de serem, na sua maioria, personalidades publicamente reconhecidas e com provas dadas nesse domínio; alguns até, possuidores de um inestimável palmarés científico e académico; porém, não sendo essa a matéria em apreço, abstenho-me de nomear personalidades que certamente a Sr.ª Ministra conhecerá tão bem quanto eu.
Perante a miríade de medidas implementadas por V. Ex.ª no decurso do presente ano lectivo e tão abnegadamente publicitadas principalmente pelo Sr. Secretário de Estado Valter Lemos e tendo em conta as propostas recentemente anunciadas para futura integração no Estatuto da Carreira Docente, particularmente no que respeita ao novo regime de progressão na carreira e avaliação dos professores verifico, objectivamente, que ao contrário de uma grande parte dos seus antecessores, a Sr.ª Ministra além de ser uma ilustre desconhecida (para a esmagadora maioria dos portugueses) até ter assumido as funções que agora exerce no Ministério da Educação, ficará na história deste Ministério por exibir (com a discrição e simplismo que se lhe reconhece), uma pioneira e radical insensibilidade e desconhecimento em matéria educativa o que, paradoxalmente, não lhe tem tolhido a acção. A Escola, antes de mais, não é uma empresa, mas uma comunidade complexa, cada vez mais complexa, que a senhora Ministra deveria analisar em profundidade, quanto mais não fosse, por inerência de funções.
Ficará certamente na história do sistema educativo português como principal obreira de mais um logro demagógico não destituído de graves consequências. De facto, as referidas medidas só virão contribuir para ampliar a péssima imagem dos professores junto da opinião pública (não pelas consequências sérias da sua implementação prática, uma vez que de raiz, carecem de objectividade e de seriedade) mas porque enfermam, à partida, de um significado latente e subliminar de desrespeito e ataque sistemático à dignidade de uma classe profissional que V. Ex.ª elegeu como aquela a quem se devem aplicar todas as medidas de excepção, demais a mais, destituídas de qualquer razoabilidade. Queira V.Ex.ª assumir, neste momento, para não quebrar a coerência intrínseca da desastrosa práxis do Ministério que dirige, a Responsabilidade Maior directa e acrescida, ao potenciar essa má consciência da opinião pública, veiculada e propagada pelos órgãos de comunicação social e pelas eminências pardas deste país (fazedores de opinião, bem remunerada, nos debates televisivos, radiofónicos e colunas dos chamados “jornais de referência”). A senhora ministra oferece-lhes regularmente “repasto” propício ao negócio da informação inquinada de inverdades, tão ao gosto da maledicência nacional comparável, nos tempos modernos, ao sangue que as arenas romanas exibiam para gáudio das massas.
Queira V. Ex.ª assumir que a grande maioria das medidas demagógicas que implementou no sistema educativo, em particular, no Ensino Secundário são, na prática, aquilo que toda a gente sabe: estratégias de poupança, por imperativos do descalabro económico, financeiro e social em que o país se encontra, ataque à Escola Pública e directo contributo para a proliferação de instituições privadas que têm vindo a crescer como cogumelos, perpetuando assimetrias, injustiças e favorecimentos sociais de várias naturezas, sempre em benefício de um espectro alargado de clientelas; senão, confronte-se o controlo científico e pedagógico a que essas instituições têm sido submetidas nas últimas décadas e compare-se, nesse contexto, o supervisionamento dos Exames Nacionais de acesso ao Ensino Superior com aquele que é exercido nas Escolas Públicas. Confrontem-se os resultados obtidos em exames pelos mesmos alunos oriundos da “sangria” crescente das escolas públicas para as privadas e facilmente verificaremos que os resultados obtidos, após transição para o privado, (salvo honrosas excepções – pois toda a generalização é abusiva), não podem ser sérios e muito menos, dever-se à mais elevada competência dos professores que aí leccionam pois, como é do conhecimento geral, uma grande maioria desses professores acumulam no público e no privado, não tendo os alunos dessas instituições a mesma composição socio-económica dos alunos que a Escola Pública acolhe e que, por óbvias razões, não frequentam as instituições privadas. Digamos que, frequentemente, nessas instituições, se recorre ao “truque” de conseguir na “secretaria”, resultados que não foram obtidos em “campo”. Mesmo que em inúmeros casos a verdade tenha sido reposta por via dos maus desempenhos desses alunos em Exames Nacionais, o que é certo é que os expedientes utilizados, acabam por facilitar o ingresso nos cursos superiores mais exigentes no que toca às médias de acesso. Todos sabemos que é esta a real motivação que continua subjacente à “sangria” de alunos do público para o privado que se tem vindo a acentuar na última década. Todos sabemos as pressões a que estão sujeitos os profissionais mais sérios no exercício da docência. Também não ignoramos quais os expedientes a usar (escrúpulos e competência à parte), para nos furtarmos às consequências nocivas na saúde e na carreira, dessas crescentes e superiormente consentidas pressões. Também todos estamos conscientes (e não será necessário qualquer ensaio de lucidez), para reconhecer que nesta, como noutras profissões, também existe incompetência, laxismo, absentismo que importa identificar e combater.
Quanto às “reformas” anunciadas, permita-me Sr.ª Ministra que lance a V. Ex.ª e à sua equipa, em particular aos Sr.s Secretários de Estado, o seguinte repto: tenham V.ªs Ex.ªs a coragem e ousadia (que até ao momento parecem exibir), e experimentem lançar-se (completamente anónimos), numa qualquer Escola Secundária com oferta de cursos heterogénea, no palco não mediatizado de uma qualquer “aula de substituição ou aula regular”, em turmas do ensino básico ou secundário e, particularmente, em turmas dos cursos tecnológicos e de formação. Experimentem leccionar nesse contexto (pois até parece que são, ou já foram professores) e garanto-lhes que se da experiência saírem vivos ou com a vossa dignidade não beliscada, terão toda a oportunidade para exercitar, até ao limite, os dotes de excepcional criatividade, rigor, competência, originalidade e imaginação (para não falar da temerária abnegação) que tal tarefa requer, diariamente, a muitos dos professores das nossas escolas públicas. Se saírem de tal experiência reforçados no vosso auto-conceito e suficientemente animados, poderão ainda desenvolver uma experiência mais aliciante e de inestimável contributo para a melhoria do sistema e do insucesso escolar: ponham-se na pele de professores experientes, “jovens (?)” sexagenários próximos da actual idade de aposentação, com os inevitáveis cabelos brancos, rugas e os demais sinais de decadência física (e não necessariamente mental, que sempre atinge uns, mais do que outros) e experimentem leccionar em turmas vulgares de Lineu de qualquer curso geral , ou acompanhar em sala de estudo aqueles estudantes que por qualquer razão avulsa não conseguiram “ suportar” durante mais tempo aquele(s)"setor(es)”. Irão ver que a experiência e a sábia bonomia que a avançada idade sempre conferem, serão um bálsamo benfazejo para aqueles alunos “tão ávidos de saber” e “tão receptivos à aprendizagem”. Tais experiências darão os seus frutos, constituindo uma inestimável mais-valia ao constarem nos Relatórios ou Inquéritos que os pais dos mesmos alunos certamente não deixarão de elaborar sobre o vosso desempenho, contribuindo para uma progressão na carreira plena, justa e participada, na lógica do modelo de avaliação que V.Ex.ªs tanto prezam.
A Escola Pública Sr.ª Ministra é, como V.Ex.ª não poderá certamente ignorar, o primeiro e fiel espelho da sociedade civil que temos e, portanto, dos pais que temos (salvo muitas e pontuais excepções): a esmagadora maioria não tem, pelos afazeres da própria vida, qualquer contacto com a Escola a não ser muito esporadicamente e, nessa grande maioria existe, inevitavelmente, uma muito significativa parte, que ao demitir-se da educação dos filhos, transfere integralmente para a Escola a responsabilidade de os educar. Mas faltam meios Sr.ª Ministra, faltam muitos meios: humanos, materiais e medidas de regulamentação, principalmente se levadas à prática, para educar em ordem à competência, à cidadania, à profissionalização e, sobretudo, em ordem ao respeito, à decência e à corresponsabilização desses pais no que toca à violência crescente, à agressividade, à indisciplina que grassa nas nossas escolas públicas e privadas (e nestas,camuflada de toda a espécie de arrogância, indigência, despotismo e desrespeito para com os professores , espécie de novos escravos do sistema, mão-de-obra barata que cala e consente todos os desmandos, ameaçada pelo desemprego eminente) e que cresce a um ritmo preocupante : a Escola Pública continua a absorver autênticas hostes de jovens adolescentes, muitos deles marcados por uma crescente indigência social, fruto dessa anomia que a Sr.ª Ministra enquanto socióloga tanto tem vindo a referir; são os mesmos que vandalizam equipamentos, agridem colegas, insultam professores e funcionários, exímios na agressão verbal (que entretanto se tornou corriqueira) práticas que crescem na razão directa da quase total impunidade (por muitos majores Parrachos e Programas Escola Segura que o venham desmentir ou tratar eufemisticamente). A Escola Pública continua a pugnar (com meios cada vez mais escassos e degradados), por aquilo de que a sociedade civil se demite ou não pode fazer, frequentemente com risco da integridade física e psicológica de todos os que nela trabalham e, particularmente, dos professores. ESTA É, em parte, A REALIDADE NUA E CRUA DAS NOSSAS ESCOLAS, Sr.ª Ministra!
Quanto à progressão dos professores na carreira, todos sabemos que os modelos anteriores encerram vicissitudes e defeitos dignos de registo, sendo o maior, aquele que veda aos professores uma possível progressão para além do 10º escalão – que em circunstâncias normais era atingido bastante cedo no percurso profissional da docência e idade dos professores. Porém, Sr.ª Ministra, não foram os professores que criaram esses mecanismos limitando-se, como em qualquer outra profissão, a singrar de acordo e no cumprimento das regras superiormente definidas, (não esqueçamos que todas essas disposições tão duramente criticadas por V.Ex.ª e pelo Governo de que faz parte, têm vindo a ser, a seu tempo, legisladas por outros Governos de idêntica legitimidade e até, de idêntica cor política e sufragadas pela Assembleia da República, ao sabor das várias maiorias que por lá têm passado). Essas regras têm, como é do conhecimento público, vindo a sofrer sucessivas metamorfoses, sempre em prejuízo da Escola Pública. Importará contudo frisar que o modelo que agora está em curso não é melhor, mais razoável e não introduzirá nenhuma mais-valia de objectividade, rigor, exigência ou competência: é mesmo o maior embuste alguma vez visto na história do nosso sistema educativo e não convém escamotear, como é da praxe, as reais responsabilidades, mesmo que por via das mudanças políticas estas tenham que ser apuradas retrospectivamente. (Todos sabemos que, sob um fundo de pura poupança orçamental, não se quer reconhecer nem premiar a competência, o mérito e a prioritária dedicação à actividade mais nobre da docência (a actividade lectiva), mas tão só, reduzir substancialmente o acesso ao topo da Carreira a esses que são os nossos melhores e mais dedicados professores. Em vez disso, criam-se duas Carreiras distintas (os Professores e os Titulares) onde, imagine-se, professores com muito maior experiência e provas dadas nas componentes fundamentais da Educação (actividade lectiva, serviço de Exames, supervisionamento e orientação pedagógica, etc…) vêem-se inusitadamente ultrapassados por professores de Escalões inferiores, com muito menor experiência, mas que somam pontos por cargos cooptados pelas Direcções Executivas das Escolas e distribuídos segundo lógicas internas de “amiguismos” de vária ordem, que de rigoroso e sério nada têm.
Sr.ª Ministra, reconheça, mas reconheça publicamente: tudo isto, além de ABSURDO, é IMORAL, é INÍQUO, é ILEGAL, absolutamente inaceitável e por tudo isso eu lhe aponto o dedo acusador e a RESPONSABILIZO!
Todos sabemos que, no que toca ao Ensino Superior (que tão oportunamente se autonomizou), as coisas continuam praticamente em “roda-livre” no que concerne ao controlo da qualidade de ensino, assiduidade dos professores, cumprimento dos currículos, etc. Todos sabemos! Particularmente aqueles que tendo concluído licenciaturas ou até cursos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos com sobrecarga financeira e esforço pessoal não dispiciendos. Pois bem, o facto de existirem duas tutelas separadas não impedirá que a Sr.ª Ministra proponha ao seu congénere do Ensino Superior, um mais estreito diálogo e aproximação nas lógicas de articulação e controlo da qualidade destes níveis de ensino: afinal vivemos todos no mesmo país e não em galáxias tão distantes que façam esmorecer esse impulso, mesmo em acumulação com as novidades impostas no quadro dos acordos europeus. Sr.ª Ministra, todos sabemos que seria bem mais fácil, profícuo e menos demagógico, implementar verdadeiros critérios de exigência e rigor no âmbito de todos os níveis de ensino. Existem certamente dados e registos mais do que suficientes para serem correctamente analisados pelo Ministério da Educação: só os não analisa quem não quiser, ou quem não puder! É claro que talvez não fossem tão mediáticos e certamente careceriam de equipas devidamente habilitadas para o fazer, no terreno das escolas. É claro que contribuiriam para desfazer muitos equívocos e inverdades que passam, sem qualquer filtro de rigor ético para a opinião pública. Por outro lado, seriam pouco ou nada oportunos para a coerência da imagem de severidade “equitativa” das restantes medidas do Governo. Mas claro, isso também seria dispendioso, para não falar das imensas disparidades que existem na profissão docente no que toca aos dados disponíveis: existem, por exemplo, imensos professores cujo trabalho não pode ser aferido por resultados de exames nacionais porque simplesmente não operam nesses níveis de ensino, mas cuja progressão deveria depender da análise da qualidade científica, do empenhamento e dedicação pedagógica com que exercem a docência, através de instrumentos rigorosos e objectivos.
Por fim Sr.ª Ministra e porque a missiva já vai longa, (apesar do muito que fica por dizer), resta-me desejar que tenha o seu Ministério e todos os gestores e economistas mais liberais deste país, os níveis de desempenho, de produtividade, de assiduidade e competência que muitos professores deste mesmo país ainda têm; (mesmo com escassos meios, emagrecimento substantivo de salários e degradação iníqua e galopante da sua qualidade de vida) e, se assim for, estaremos convictos que a Educação caminhará no bom sentido, que não é claramente o rumo que a Sr.ª Ministra tem vindo a definir e a concretizar. Esses professores, Sr.ª Ministra, não têm qualquer objecção ou receio de ser avaliados num regime que se vincule a critérios científicos, objectivos e rigorosos, mas sentem-se legitimamente revoltados, humilhados, injuriosamente visados por uma política centrada na arrogância sempre gratuita, na irresponsabilidade, na penúria de cidadania e numa demagogia “justicialista” que para além dos limites de uma decência ética mínima, explora ressentimentos sociais em que este pobre país é fértil, justamente por ser também um país pobre, a vários níveis.
E porque “nem só de pão vive o homem”, relembro algo que tem sido permanentemente ignorado pela opinião pública em geral, pela Sr.ª Ministra, por todos os quadros superiores deste país e, em particular, pelo nosso primeiro-ministro Sócrates, cuja política deseducativa a Sr.ª Ministra tem cumprido tão servilmente e que tem consistido, miseravelmente, na aplicação do velho lema do dividir para reinar. É que todos parecem esquecer-se que foram PROFESSORES que os formaram (desde os primeiros bancos da Escola, até aos cargos que agora ocupam). Devem, portanto, a muitos dos professores deste país o RESPEITO que estes legitimamente merecem!E como infelizmente estamos em maré de terrores e perseguições várias, limitar-me-ei a encerrar esta missiva de acordo com a lógica que V.Ex.ªs instalaram e imprópria de um país que se diz livre e democrático:

Professora (bastante indignada)
7 de Junho de 2007

2 comentários:

colega também indignada disse...

QUANTOS SEREMOS?
Não sei quantos seremos
mas que importa?!
Um só que fosse
e já valia a pena
Aqui no mundo
alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Não podemos mudar a hora da chegada
Nem talvez a mais certa
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.
E o que não presta é isto
esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.
Miguel Torga, Câmara Ardente

Dupé disse...

Eu já tinha lido este texto, visto que tinha sido publicado no jornal "Rostos", salvo erro. Concordo consigo, mesmo não estando muito dentro de alguns assuntos.

A Sr.ª Ministra também nos tem feito bastante "mal", porém tem recuado. Não porquê tanta resistência!